Domingo, 27 de Março de 2005
A mesa do café e a montra dos doces
A tendência para enegrecer o presente e o futuro e glorificar o passado é, sabemo-lo todos, imemorial.
Dirão alguns que o que verdadeiramente lamentamos é já não termos vinte anos. Que o que de facto confundimos é a juventude com o concerto universal.
Não sei que diga. Há coisas que de facto estão piores. Outras não sei. Algumas haverá que melhoraram desde a minha juventude.
Pensando na vida que levei, não há assim nada que eu possa dizer que melhorou muito. Não sei se me ajuda muito poder chegar ao Porto ou ao Algarve em pouco mais de duas horas.
Mas com toda a certeza, uma das coisas que me facilita e muito a vida é a revolução nas comunicações. Mas nas outras. Telefones móveis dão jeito, computadores, jeitão. A rede proporciona acesso rápido a informação de que necessito. O cartão de débito permite-me ir buscar dinheiro à parede. OK.
Agora a questão que mais me melindra é justamente a da mesa do café.
Estarei eu a desprezar os disparates que ouvi outrora? Não sei. O que sei é que hoje a influência crescente da massificação na informação, concatenada com a catadupa de bytes que nos derramam em cima a cada passo, parece que contamina mesmo as cabeças mais críticas.
Oiço amplificadas e sujeitas a escrutínio as maiores enormidades.
A questão não é a maior ou menor futilidade dos assuntos. Conversa de chacha também fazia falta ao fim da tarde.
O que mais me sufoca é o tratamento e a atenção que merecem disparates intelectuais, opiniões obviamente sectárias e uma certa primaridade popular na avaliação dos factos, normalmente influenciada pela péssima informação transmitida.
Digamos que o filtro do bom senso is off. Que o tratamento básico da informação é dispensado.
Lembro-me aqui, entre outras, daquela desvalorização de 400% do peso argentino anunciada repetidamente ao longo de um dia. E do ar grave com que alguém comentava a notícia.
Há de facto coisas que podem desvalorizar 400%. Não é com certeza o caso das conversas de café. Ou do olhar que lançávamos por detrás da montra dos doces às pernas das desconhecidas. Ou mesmo da moeda argentina, depois de deixar a paridade com o dólar.
São outras. Mas não digo quais.
E ao café, ao tal café, já não vou há anos. Também ninguém aparece.


por MCV às 19:14
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