Ele há destes sinais. Com um ano ou catorze de atraso.
Não havendo fotos da palmeira que outros mataram, não havendo o som da ave nocturna que dela sentenciava pios muitos anos mais tarde, não havendo nada disso, haverá talvez ondas na Barragem do Caia, perspectivas da fronteira do Retiro, trilhos das minas de São Domingos, dias de Manta Rota, esplanadas da Espanha suada, praias vazias de andaluzes manhã cedo.
Haverá Bragança e a torre de menagem. Haverá o postal ilustrado que desenhámos na manhã das Caldas, nas curvas da Estrela, nas madrugadas de Arganil.
Haverá pratos de presunto em Monchique, de muxama em Ayamonte, de estupeta em Santa Luzia.
Haverá Miranda do Douro pelas calçadas desertas, Lisboa em manhãs de domingo. Haverá trilhos nos nossos montes entre sobreiras antigas.
Haverá noites longas no Algarve das luzes e dos sons e noites perpétuas no nosso outro Algarve.
No da Feiteira, da Benémola, de Alte, de Marmelete, de Alferce, de Alcoutim ou Aljezur. No da Fernanda e no dos caminhos que fazíamos pela nossa serra.
Do Mu.
Dormia uma palmeira
Sobre as nossas vozes
Quando no escuro
Estimávamos direcções
No infinito.
Que se curvavam.
Em sorvedouros
Como as esferas
Na quadrícula
De Vasareli.
E no regresso
Pousávamos
Na nossa ignorância.
Tínhamos o peso
De não conhecer.
E o medo
Da sabedoria.
Esmagados
Sob o mundo
Levantado
Por uma alavanca.
Afogados
Em água espacial
E mortos
Num cantinho do tempo.
SG, trecho de Falávamos, inéditos, 1994